A alienação de veículo é uma operação que demanda atenção, precaução e, sobretudo, ação, tanto do vendedor, quanto do comprador, desde o surgimento do interesse na aquisição do bem até o momento posterior à venda.
A transferência de propriedade de bem móvel aperfeiçoa-se com a simples tradição (entrega, transmissão do bem), nos termos do artigo 1.267 do Código Civil. No entanto, tratando-se de veículo, a legislação de trânsito prevê obrigações específicas que devem ser observadas pelo vendedor e pelo comprador, a fim de que os órgãos de trânsito tenham conhecimento da mudança de titularidade do bem e, assim, atualizem os dados registrais.
Segundo o artigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), já com a redação conferida pela Lei n. 14.071/2020, o antigo proprietário (vendedor) tem a obrigação de comunicar a venda do veículo ao órgão de trânsito (Detran) no prazo máximo de 60 (sessenta dias), mediante apresentação de cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de se responsabilizar solidariamente com o comprador pelas penalidades impostas até a data da comunicação.
Vale ressaltar que desde 2014, no Estado de São Paulo, o vendedor não precisa ir ao Detran-SP. A comunicação de venda é feita diretamente pelo cartório, quando as partes comparecem para reconhecer firma por autenticidade das assinaturas constantes no recibo, que envia os documentos à Secretaria da Fazenda e ao Detran-SP.
Por sua vez, dispõe o artigo 123, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro, que, comunicada a venda e na posse da documentação completa, caberá ao novo proprietário adotar as providências para a expedição de novo CRV e, assim, transferir a titularidade do veículo para o seu nome, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data inserida na Autorização para Transferência de Propriedade de Veículo – ATPV (verso do CRV ou “recibo”), sob pena de, não o fazendo, incorrer na infração prevista no artigo 233 do Código de Trânsito Brasileiro.
Mas e se o novo proprietário (comprador) não transferir a documentação do veículo para o seu nome no prazo de 30 dias, após a realização da venda, e não for possível a realização da comunicação de venda (obrigação do vendedor) por falta da cópia autenticada do Certificado de Registro de Veículo (CRV), devidamente assinado, datado e com firma reconhecida por autenticidade?
Nesse caso, pode o antigo proprietário solicitar a inclusão no sistema do Detran de restrição administrativa (bloqueio administrativo) por falta de transferência. Isso fará com que o novo condutor, caso seja abordado por fiscalização de trânsito, tenha o veículo removido e, ainda, incorrerá em infração de natureza média com aplicação de multa (art. 233 do CTB).
Esse procedimento, entretanto, não resulta na transferência de propriedade do veículo. Trata-se, apenas, de uma forma de forçar o novo proprietário a procurar o vendedor para regularizar a documentação do veículo.
A regra da solidariedade entre antigo e novo proprietário prevista no art. 134 do CTB, no entanto, vem sendo reiteradamente mitigada pelo Superior Tribunal de Justiça, mesmo quando inexistir a comunicação da venda do veículo por parte do alienante, mas desde que comprovado no processo que as infrações foram cometidas após a tradição (entrega) do veículo ao novo proprietário.
Quanto à responsabilidade do alienante pelo pagamento do IPVA posterior à alienação do veículo, há de se observar que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico, inclusive sedimentando pela Súmula n. 585, de que a responsabilidade solidária prevista no art. 134 do CTB não engloba o IPVA relativo ao período posterior à venda do bem, já que, tratando-se de norma de trânsito, não pode ter seu âmbito de aplicação extrapolado para criar hipótese de responsabilidade tributária.
A recomendação, portanto, é que a comunicação de venda seja feita o quanto antes pelo vendedor e, da mesma forma, deve o comprador transferir a titularidade do veículo para o seu nome, providenciando a emissão de novo certificado de registro. A inobservância de tais obrigações, como visto, pode gerar transtornos e prejuízos para ambos os lados, uma vez que o sistema é burocrático e a legislação de trânsito prevê sanções àqueles que “saem da curva”.
Guilherme Peres Prado
OAB-SP nº 424.484