Estamos passando por um momento que exige esforços conjuntos para superá-lo. A declaração de estado de pandemia, decorrente do coronavírus, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), levou algumas empresas a adotarem o regime de teletrabalho, a fim de que os empregados passassem a trabalhar de suas residências. A medida objetivou reduzir a circulação de pessoas pelas cidades e aglomerações em estabelecimentos, freando a propagação do vírus sem interromper as atividades laborais.
O regime de teletrabalho, também conhecido como home office, foi regulamentado pelos artigos 75-A, 75-B, 75-C, 75-D e 75-E da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 (Reforma Trabalhista), introduzidos na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. A definição de teletrabalho encontra-se no art. 75-B da CLT, como sendo “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.
Em março de 2020, foi editada a Medida Provisória (MP) nº 927/2020 a qual permitiu, durante sua vigência, que o empregador alterasse o regime de trabalho (presencial para teletrabalho), independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos prévios. As únicas exigências estabelecidas foram as seguintes: notificação da alteração do regime de trabalho por escrito e concessão de prazo para adaptação de, no mínimo, 48 horas.
Contudo, a MP não foi convertida em lei e perdeu sua vigência em 19 de julho de 2020. Não obstante, faz-se necessário destacar que as obrigações do empregador e os direitos dos empregados continuam valendo e devem ser observados:
As formalidades exigidas para a migração do trabalho presencial para home office estão dispostas no art. 75-A e seguintes da CLT, das quais, diferentemente do que previa a MP, destaca-se a necessidade de formalização de acordo entre as partes, registrado em contrato ou aditivo. Impõe-se, ainda, que questões relativas à responsabilidade pelos equipamentos e pela infraestrutura necessária ao home office, bem como ao reembolso de despesas eventualmente arcadas pelo empregado, sejam dispostas em contrato escrito.
Se o trabalho for preponderantemente realizado fora das dependências do empregador (teletrabalho), é possível a isenção de controle de jornada. Em relação às horas extras, a CLT permitiu que os colaboradores, antes submetidos ao regime da marcação de ponto, fiquem isentos, o que implica na inexistência de horas extraordinárias. Assim, se o trabalhador, mesmo em home office, estiver submetido à marcação de ponto, o uso de aplicativos e de programas de comunicação, ainda que fora do horário contratual, poderá caracterizar sobrejornada.
Tal afirmativa deverá ser analisada com reservas, pois se for comprovado que o empregado, por determinação do empregador, estiver cumprindo tarefas decorrentes de sua atividade laborativa fora do período considerado para efeitos de jornada de trabalho ordinária, evidentemente que este será considerado como de trabalho prestado, e, portanto, será remunerado como hora extra (verdade real).
A fim de permitir a migração segura dos empregados para o regime de teletrabalho, recomenda-se e observação dos seguintes pontos: a) o marco inicial para o regime de home office; b) se haverá isenção da marcação de ponto; c) como se dará o fornecimento de equipamentos; d) despesas com energia elétrica, telefone, impressora e manutenção dos equipamentos; e) questões relativas à segurança e ao sigilo das informações e; f) instruções sobre questões de saúde e segurança do trabalhador, em especial quanto à ergonomia.
A empresa poderá cortar o vale transporte durante o período de trabalho em home office, já que se trata de benefício que visa estritamente viabilizar o deslocamento do empregado até o local de trabalho. O vale alimentação ou refeição, por se tratar de benefício não obrigatório, pago geralmente por imposição em norma coletiva (acordo ou convenção coletiva) ou por liberalidade da empresa, poderá ser devido ou não. Logo, por não haver vinculação do benefício com o local de trabalho, se o empregado já o recebia, independentemente de o regime de trabalho ser presencial ou remoto, ele deverá ser mantido.
Conforme informação da ABRH-SP (Seccional São Paulo da Associação Brasileira de Recursos Humanos), há possibilidade de a concessão ser negociada e até excluída no âmbito da alteração do regime para o teletrabalho mediante acordo entre as partes. Isto é, o empregador pode cortar o vale-refeição (VR) e o vale-alimentação (VA) se o pagamento desses benefícios não estiver definido por meio de negociação coletiva, com o sindicato, ou diretamente com o profissional. Portanto, se não houver previsão em norma coletiva, a empresa não é obrigada a manter esses dois benefícios durante o home office.
No que tange à dispensa por justa causa, as mesmas regras são aplicadas ao empregado em regime de teletrabalho e estão previstas no art. 482 da CLT.
Observação: Ainda assim, a jurisprudência está quase pacificada ao entender que, havendo grave ocorrência que impossibilite a continuidade do vínculo empregatício, não há que se falar em gradação da sanção, pois há a necessidade de comprometimento com o empregador e com o trabalho a ser desenvolvido em sua residência, uma vez que o contrato continua ativo. Por outro lado, o empregador também deverá relevar certas atitudes, como a impontualidade de certos prazos, eventual queda da qualidade, haja vista a falta de preparo dos funcionários.
Justa causa para o empregado rescindir o contrato e pleitear indenização – art.483, da CLT.
Muitos empregadores adotaram o home office e o teletrabalho para segurança e eficiência de seus funcionários e esses modelos estão sendo os mais seguros, pois os trabalhadores podem prestar serviços à distância e porque eximem os empregadores de quaisquer responsabilidades no tocante a eventual contaminação pelo coronavírus – Covid-19.
Entretanto, existem empresas que continuam em pleno funcionamento, até mesmo de forma clandestina, com as atividades nos seus estabelecimentos. Neste caso, poderá o empregado pleitear na Justiça do Trabalho a validação da “justa causa” ao seu patrão?
As hipóteses de rescisão indireta do empregado (justa causa do empregador) com a respectiva indenização estão elencadas no art. 483 da CLT. E, especificamente em relação à alínea “c”, caracteriza-se a justa causa se o empregador submete o empregado a perigo manifesto de mal considerável, que ocorre quando, pelas condições do ambiente laborativo ou pelo exercício de certa atividade ou tarefa, o empregado corre risco não previsto no contrato, ou que poderia ser evitado.
É importante que as empresas criem mecanismos de prevenção e proteção dos seus trabalhadores, documentando todas as iniciativas realizadas, a fim de afastar pretensa responsabilização injustificada. Além disso, é fundamental seguir as recomendações vinculadas ao reforço de higiene e medidas de saúde, tais como: medir temperatura corporal antes ingresso do empregado ou terceiro na empresa, disponibilizar no local de trabalho de papéis toalhas, sabonetes líquidos ou detergentes, álcool em gel 70%, bem como o distanciamento de, no mínimo, 2 (dois) metros entre os trabalhadores
Outrossim, imprescindível que os empregadores divulguem por e-mail, site oficial e redes sociais, informativos sobre a importância de utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) e a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção facial, as quais devem ser fornecidas aos empregados.
Do contrário, os empregados infectados pelo novo coronavírus, com a prova da obrigatoriedade da prestação de serviços in loco e sem o devido cuidado por parte dos empregadores, terão motivos para pleitearem a validação da rescisão indireta na Justiça do Trabalho com a reparação devida, desde que comprovado que o empregado não frequentou lugares durante a Pandemia que possibilitasse a contaminação pelo vírus e, ainda, se outros colegas de trabalho foram contaminados (do mesmo estabelecimento). Isso porque, não tendo notícia de que outros empregados tenham contraído a doença, será descartada a hipótese de contaminação do empregado no estabelecimento empresarial.
Sendo assim, a rescisão indireta é perfeitamente cabível na hipótese em que o empregado contrai a doença Covid-19 nas dependências da empresa, e, com a prova robusta da falta de cuidados e de medidas necessárias e obrigatórias por parte do empregador, a validação do pedido será confirmada pela Justiça do Trabalho. Na ausência de elementos que comprovem a “justa causa do empregador”, a Justiça Especializada rescindirá o contrato de trabalho na modalidade “pedido de demissão”, com o pagamento devido das verbas rescisórias.
Em relação às despesas extras com energia elétrica e telefone decorrentes do home office, a princípio, a empresa será a responsável por definir e adequar as ferramentas necessárias à realização do trabalho remoto no ambiente do empregado e deverá arcar com as despesas de energia elétrica e comunicações, dentre outras, quando decorrentes da prestação de serviço. A sua mensuração poderá se valer por acordo entre as partes, ou via judicial por arbitramento, fazendo-se, por exemplo, a comparação entre o gasto anterior e o gasto atual ou até pela mensuração por gasto de energia de cada aparelho utilizado.
O empregado não poderá se recusar a cumprir a jornada de trabalho de forma remota, pois em que pese a literalidade da lei prever a concordância do trabalhador para migração do regime para teletrabalho, o contexto da pandemia exige a sobreposição do interesse público em detrimento da vontade privada, a fim de garantir às pessoas tanto o direito à vida e à saúde quanto o direito ao trabalho. Em caso de eventual negativa de adesão ao regime de home office, esta poderá ser analisada à luz do artigo 268 do Código Penal (infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. Pena: detenção de um mês a um ano e multa) e o empregador poderá dispensar o empregado.
Os empregados, que passaram a executar suas funções apenas remotamente, poderão ter direito a garantia de emprego caso sejam contaminados, desde que comprovem o nexo causal e a enfermidade acarrete o afastamento das atividades por mais de 15 (quinze) dias, com consequente percepção de auxílio-doença. Essa garantia estende-se por um período de 12 (doze) meses após a cessação do benefício previdenciário.
No caso dos empregados que não possam laborar em regime de teletrabalho, em razão da atividade exigir a presença no ambiente de trabalho, deverão permanecer em atividade presencial por serem considerados como essenciais. Porém, caso o colaborado se negue a comparecer ao trabalho com a justificativa de que está preservando a sua vida e a sua saúde, deverá comprovar que o empregador não toma as medidas sanitárias recomendadas e necessárias para se evitar o contágio e que há risco de contaminação.
Se não houver suspeita de contágio no local, cabe ao médico do trabalho orientar os empregados a realizar exames, a fim de que seja emitido atestado médico justificando a ausência do trabalhador. Somente estará legitimado a não comparecer ao trabalho se for comprovada uma das hipóteses legais para falta descritas no art. 473 da CLT. Portanto, se o empregado se negar a comparecer ao trabalho ou o empregador adotar as medidas de segurança e higiene comuns a todos os trabalhadores, tal recusa equivalerá ao não uso deliberado de equipamento de proteção individual (EPI) e, nesta hipótese, ficará o empregado sujeito à dispensa por justa causa – por indisciplina ou insubordinação –, nos termos do art. 482, “h” da CLT.
Se o empregado se encontrar em regime de teletrabalho, cabe ao empregador cuidar de sua saúde laboral. É importante ressaltar que o art. 157 da CLT determina como obrigação das empresas a instrução aos empregados quanto às precauções necessárias para evitar acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. Nesse sentido, será importante elaborar Termo de Responsabilidade, Precaução a Doença e Acidente do Trabalho ou até o envio de e-mail institucional ou circulares abarcando sugestões de algumas modalidades de exercício laboral, como pausas recomendadas para cada atividade e os benefícios de sua prática, mediante a ciência e o comprometimento do empregado em executá-la.
Por fim, convém ressaltar a possibilidade de adoção de teletrabalho a estagiários ou aprendizes, seguindo as mesmas orientações aqui tratadas.
Portanto, em decorrência da pandemia ocasionada pela COVID-19, o teletrabalho passou a ser opção viável e segura para os empregadores e empregados, pois traz benefícios ao empregado, como a otimização do tempo e execução do trabalho, desde que a meta seja cumprida no prazo estabelecido pelo empregador. Além disso, a escolha do teletrabalho reduz custos operacionais e com infraestrutura, sendo possível utilizar a economia gerada para melhor planejamento e desenvolvimento da empresa.
Laura Cristovam Machado
Acadêmica de Direito